"Cidades felizes, vibrantes e bem-sucedidas surgem da visão de muitos, não de poucos poderosos." - Jane Jacobs.
Embora tenhamos visto progresso na representação feminina ao longo do século passado, as perspectivas e vozes das mulheres ainda são significativamente marginalizadas. Este ano, a ONU relatou que, em apenas 22 países as mulheres ocupam cargos de Chefes de Estado ou de Governo e que, 119 países nunca tiveram uma líder feminina, apesar do forte argumento de que sua liderança contribui para tomadas de decisão mais inclusivas e um governo mais representativo. Além disso, as mulheres ocupam apenas 10% dos cargos de maior importância nas principais empresas de arquitetura do mundo.
De acordo com a publicação de 2020 do Banco Mundial, Manual para Planejamento e Projeto Urbano com Igualdade de Gêneros, as áreas urbanas não consideram a vida diária ou as necessidades das mulheres, das minorias sexuais e de gênero e das pessoas com deficiência. Horacio Terrazza, um dos autores do Manual, aponta para os efeitos a longo prazo, destacando o papel fundamental que o espaço urbano desempenha na forma como organizamos nossas vidas, comunidades e, por sua vez, em nossa sociedade. Por fim, nosso ambiente construído reflete e reproduz os estereótipos de gênero com os quais crescemos e coexistimos.
“O planejamento urbano e a arquitetura moldam o ambiente ao nosso redor - e esse ambiente, por sua vez, molda a forma como vivemos, trabalhamos, nos divertimos, nos movemos e descansamos,” - Maitreyi Das, gerente de Gestão de Risco de Desastres, Resiliência, do Banco Mundial Urbano, e Land Global Practice.
O impacto da falta de diversidade, na tomada de decisões sobre a desigualdade urbana, é aparente de uma infinidade de maneiras. De parques e ruas sem iluminação e banheiros públicos, até redes de transporte público inseguras, essas falhas na política, governança e projetos, afetam como as mulheres e as minorias vivenciam ambientes "feitos pelo homem", tanto físico quanto psicologicamente. Ao incluir a diversidade na discussão, podemos reconhecer e remover as barreiras, para propiciar um uso seguro e acessível da cidade, além de melhorar diretamente nossos ambientes urbanos inerentemente heterogêneos, intersetoriais e em constante evolução. Quer se aplique à educação, arquitetura, políticas urbanas, design ou tecnologia, os líderes precisam representar as pessoas a quem servem, de forma a compreender melhor seus desejos e necessidades.
É hora das mulheres reivindicarem seu espaço na liderança e na tomada de decisões no movimento pelas cidades. Para celebrar aquelas que já o fizeram e convidar outras a fazerem o mesmo, escolhemos a dedo seis mulheres excepcionais de uma variedade de disciplinas para mostrar como, à sua maneira, seus projetos impactaram profundamente o bem-estar de suas comunidades.
Kalpana Viswanath - CEO da Safetipin
A Dra. Kalpana Viswanath é cofundadora e CEO da Safetipin, uma empresa social que usa dados e tecnologia para ajudar as cidades a se tornarem mais inteligentes, seguras e inclusivas para as mulheres. Fundada em 2013, a Safetipin coleta dados através de várias fontes, incluindo MySafetipin, um aplicativo de crowdsourcing gratuito, que ajuda os usuários a tomar decisões mais seguras sobre sua mobilidade com base em critérios como iluminação, visibilidade, densidade de pessoas, diversidade de gênero, segurança e transporte. Os dados também são usados por governos locais para melhorar o planejamento e a manutenção dos locais. O aplicativo também conta com a ferramenta Safety Audit (Auditoria de Segurança), que analisa uma determinada área com base em parâmetros de infraestrutura física e social. Além da Safetipin, a Dra. Viswanath também liderou uma série de grandes projetos globais, incluindo a Jagori, uma ONG de direitos das mulheres, e tem sido consultora para agências globais, incluindo Women in Cities International, UN Women e UN-Habitat.
Khensani de Klerk e Solange Mbanefo - Co-diretores da Matri-Archi(tecture) ©
As arquitetas Khensani de Klerk e Solange Mbanefo são as co-fundadores do Matri-Archi (tecture) ©, um coletivo intersetorial que reúne mulheres africanas de cor (POC), para o empoderamento e o desenvolvimento das cidades africanas no âmbito da educação espacial. Com sede entre a África do Sul e a Suíça, o coletivo se concentra no reconhecimento e capacitação de grupos de identidade marginalizados na indústria da arquitetura - em um espaço que muitas vezes as impediu uma representação - para escrever e projetar, de modo a alcançar a igualdade de identidade no discurso da Arquitetura. Por meio da prática da arquitetura, de redações, podcasts e outras iniciativas, o coletivo trabalha para capacitar sua rede com práticas estabelecidas e parceiros de educação para reformular os vários setores relacionados a arquitetura e à cidade.
Femke Halsema - Prefeita de Amsterdã
A prefeita Halsema faz parte de um grupo crescente de mulheres na política, se tornando as primeiras a liderar suas cidades. Ex-líder do Partido Verde da Holanda, seu programa se concentra na digitalização de serviços aos cidadãos, mobilidade inteligente e economia circular. Além disso, um alvo central de suas reformas é o distrito da luz vermelha de Amsterdã, com a decisão de proibir visitas guiadas à área para promover o respeito às trabalhadoras do sexo, bem como acabar com a inconveniência que esse tipo de turismo em massa causa para a comunidade local. Como ela afirmou, “... quando eu era membro do parlamento (MP) há muito tempo, fui parcialmente responsável por reconhecer a prostituição como uma profissão legal na Holanda ... precisamos ter coragem de interferir na estrutura econômica da cidade. Acredito que chegamos a tempo. ” A prefeita, com visão de futuro, também promoveu uma Coalizão de Cidades pelos Direitos Digitais, visando aproveitar as oportunidades tecnológicas para melhorar a vida dos constituintes e fornecer serviços digitais confiáveis, seguros e infraestruturas que apoiam as comunidades locais.
Carina Guedes - Fundadora do Arquitetura na Periferia
Carina Guedes é uma arquiteta brasileira e fundadora do Arquitetura na Periferia. Resultado de sua dissertação de mestrado, o projeto está em funcionamento desde 2014 e oferece assistência técnica para mulheres na construção civil, em áreas com déficit habitacional e de infraestrutura. Liderado por seis mulheres, entre arquitetas e engenheiras civis, a equipe trabalha para oferecer às mulheres o máximo de autonomia no processo de tomada de decisões durante a reforma e / ou construção de suas casas. Estruturado em oficinas que duram de quatro até seis meses, o projeto se inicia com aulas de desenhos e croquis. Em seguida, as mulheres aprendem noções básicas financeiras para lidar não somente com o pequeno empréstimo recebido para o projeto, como também com o controle de gastos corriqueiros e compra dos materiais de construção. O projeto visa expandir a capacidade de análise, discussão, prospecção, planejamento e cooperação de suas participantes, promovendo um aumento na autoestima e confiança.
Yvonne Aki-Sawyerr - Prefeita de Freetown
Eleita em 2018, Yvonne Aki-Sawyerr é a primeira prefeita a liderar a capital de Serra Leoa em décadas. Com esforços para limpar as ruas de Freetown, reparar seus sistemas de drenagem, plantar um milhão de árvores ou implementar a reforma do imposto sobre a propriedade, a prefeita visa transformar a cidade por meio de uma abordagem inclusiva, sustentada pela inovação, senso de comunidade e gestão de desempenho baseada em dados. Em janeiro de 2019, ela lançou a iniciativa Transform Freetown, um plano de três anos para o desenvolvimento da cidade, que visa onze setores, incluindo o combate à degradação ambiental e as mudanças climáticas e auxiliando a criar empregos, de forma a reduzir o desemprego juvenil. Aki-Sawyerr também foi nomeada pela BBC 100 Women 2020 e é um dos membros fundadores da CHANGE (City Hub e Network for Gender Equity), uma rede de cidades ao redor do mundo que compartilham as melhores práticas, políticas e abordagens inovadoras para combater o machismo, misoginia e injustiça de gênero.